O Fila Brasileiro: (Lembranças e amizade)

Aqueles que criam, ou conhecem o cão Fila Brasileiro, com certeza terão muito a discutir a partir das premissas ora apresentadas. Primeiro porque acredito e aceito as teorias do “pai da raça”, Doutor Paulo Santos Cruz. E, em segundo lugar, porque pude conhecer desde 1956, na cidade de Carvalhos, sul de Minas Gerais o que era o “fila de fazenda, o boca preta” que por lá se apresentava.
 

Hoje, muitos anos passados, trago à lembrança os anos 50, quando tive a oportunidade de conviver com Sheique, Tigre e Baião. O primeiro, baio claro, de focinho meio preto assim como suas orelhas, era de temperamento calmo. Excelente guardião. Solto, nos currais, nem água lhe era oferecida. A comida era jogada ao chão, restos, pedaços de pescoços ou angu. Aos demais também assim era. Há época, não somente eu, mas como minha família, desconhecíamos que os animais merecem melhor tratamento. Por vezes, passávamos a noite (ou madrugadas) tirando espinhos que os porcos do mato lhes aplicavam (como defesa). Eram cães extraordinários. Grandes, calmos, porem defensores de seus territórios.
 

O Sheique, amigo do compadre de minha mãe, o Joaquinzinho, que ao nos visitar vinha a cavalo, tinha por mania acompanhá-lo quando ele se ia. Certa vez, minha mãe pediu ao compadre: não o deixe acompanhá-lo. Pedido feito e atendido. Joaquinzinho deu-lhe uma “sova” de relho. Pois bem, a partir daquele dia, nunca mais o compadre chegou em casa sem, de longe, chamar pelo nome de minha mãe para que ela prendesse o Sheique, pois na primeira vez que voltou ao nosso sítio, o cão, extraordinariamente o derrubou de seu cavalo, e se não o matou, foi por interferência de meu pai.
 

Ali, naquele primeiro instante, naquele episódio inusitado, deu-se para mim um gosto: aquele tipo de cachorro. Ainda menino, de 8 ou 9 anos, minha consciência quanto às raças era nula. O resgate ocorreu anos depois, já trabalhador no estado de São Paulo e com duas referências: primeiro o grande amigo, e artista, Luis Rogério Bettoni. Talvez tenha sido ele um dos primeiros criadores do puro Fila Brasileiro. De uma ninhada especial, nascida em Taubaté, só seu exemplar não foi exportado. Isso fez com que passasse por “apertos” para provar a pureza rácica. O acompanhamento do desenvolvimento do cão foi até os 2 anos de idade. Naquele instante foi-me despertado o (re) interesse pela raça. E aí conheci Ivan Russef. Assim como o Bettoni, pessoa de mais de 1,90 m de altura, e assim como o outro amigo coração extraordinário, maior que sua altura, e de inteligência e integridade invejáveis. De uma consciência inigualável quanto à qualidade e pureza rácica. Um grande batalhador pela manutenção, daquele Fila, muito bem descrito por Paulo Santos Cruz, o “pai da raça”. E neste contexto voltei-me à criação. Tive a sorte, de através de meu primo, o saudoso Valtinho ( Walter de Souza Nunes) de obter uma cadela: Achara de Jawa. Eu, que anos antes fui proprietário de Nativa do Tangará Açu, imbatível campeã em exposições e guardiã exemplar de minha casa, encontrei este exemplar rácico de inigualável beleza e temperamento. Quis a sorte que ela não produzisse descendentes. Mas por outro lado, com a participação de “Valtinho” e do grande e inesquecível amigo “Sebastião Monteiro Júnior, o Tião”, ganhei do Celso Guimarães Aquino, o “Jacaré” a Andra de Jawa, filha de Scorpion do Ibituruna e Iris do Tangará Açu. Este cruzamento não tem par. Andra, Atenas, Argos, cansaram de ganhar prêmios em exposições. Mas o mais importante..., foram sempre guardiões conforme o “temperamento socrático do fila brasileiro”, tão bem descrito pelo pai da raça, o saudoso Dr. Paulo.
 

Mas citamos anteriormente Tigre a Baião. Este, pelo próprio nome, malhado, expressava a mestiçagem. Mas Tigre, não. Talvez tenha sido a representação masculina de Achara de Jawa. Forte, imponente, bravo, valente, caçador de porcos espinho e principalmente: guardião de território e tocador de gado. Que saudade! Menino, com eles convivia, e os tinha por companhia. Tempo passado, tempo mudado. Mas o verdadeiro Fila Brasileiro faz-se presente em nossa história.
 

Neste ano de 2006 fui à Bahia. A Salvador e Lauro de Freitas. Pude, com tranqüilidade observar a criação do João Nunes, do Zezé e de outros amigos. O Fila está na Bahia, como está no Rio de Janeiro, Goiás, São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina. Tive a honra de julgar exposição em Rezende (RJ) e com grande alegria pude constatar a qualidade do plantel. Em um próximo momento terei o prazer de discriminar os nomes dos cães que se fizeram presentes nesta exposição, bem como de seus criadores que dão força e alento à criação sob o regulamento do CAFIB.
 

Este é um momento especial para mim. Pude, ainda que sintética e genericamente discorrer sobre o “Fila” que conheço há mais de 50 anos. O que ainda me surpreende é a mestiçagem que tem por objetivo o comércio. Não sou contra a “comercialização” do Fila, desde que sua pureza rácica não seja deteriorada ou, pior, adaptada a interesses individuais. Comprar e vender faz parte de nosso cotidiano. Mas além do propósito comercial existe a exigência da pureza. O que é um Fila ? Leia-se Paulo Santos Cruz e o temperamento socrático da raça.. Leia-se o Jornal “O Fila”, em suas 42 edições produzidas pelo CAFIB.
 

Em um próximo momento abordaremos, com especial atenção alguns exemplares que conheci nesta trajetória. Quero no entanto deixar claro, desde já, que alguns canis tem tido especial atenção para a manutenção da raça, que cientificamente foi aprimorada pelo modo de criação do CAFIB. Este clube tem um propósito: a raça. Aprimorá-la foi (e é) um trabalho incessante. No entanto é uma ação continuada que é prazerosa e leva os aficcionados da raça a dedicarem-se, basicamente a sua manutenção dentro do padrão descritivo estabelecido pelo “Mestre de criação e pai da raça, Dr. Paulo Santos Cruz”. Se fossemos nominar seus seguidores estenderíamos por demais este texto. Mas particularmente, pedindo escusas aos demais gostaria aqui de agradecer o apoio e orientação de Airton Campbel, Américo Cardoso Santos Júnior, Pedro Borotti, Fernando Zanetti, Antonio Silva Lima e do especial amigo e juiz “Caico" ou seja, Carlos do Amaral Cintra Filho de Amparo, SP.
 

A todos agradeço por me ajudarem a ver o que é o verdadeiro Fila Brasileiro. Se possível, tenho por objetivo também passar aquilo que me foi dado. E neste momento rendo homenagens a duas pessoas que “tem o olhar”, que sabem identificar um bom espécime: o Fabiano Gonçalves Nunes, filho do Valtinho, herdeiro do Canil Jawa e que sabe, como poucos, avaliar o que é um bom cão desta raça maravilhosa, e a hoje Médica Veterinária, minha filha Verônica dos Santos Iacovantuono, que desde 1987, com apenas 9 anos passou a acompanhar a mim e amigos criadores a dezenas de exposições da raça, através das quais desenvolveu especial atenção por animais, com ênfase ao Fila Brasileiro.
 

Até a próxima.

Jonas Tadeu Iacovantuono
Guaratinguetá, SP

0 comentários:

Postar um comentário